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9 de mar. de 2010

"[...]
 Tive então um movimento de despeito e quase de raiva; depois de um mês que eu amava sem esperança, que eu guardava a maior fidelidade à sua sombra, ela me recebia friamente.
 Revoltei-me.
 - Compreendo, disse eu em voz baixa e como falando a um amigo, compreendo agora por que ela me foge; tudo isso não passa de uma zombaria cruel, de uma comédia, em que eu faço o papel de amante ridículo. Lançar em um coração o germe de um amor profundo; alimentá-lo de tempos em tempos com uma palavra; e depois, quando esse namorado passear pelo salão a sua triste figura triste, mostrá-lo a suas amigas como uma vítima imolada aos seus caprichos!É esperituoso! O orgulho da mais vaidosa mulher deve ficar satisfeito!
 Momentos depois o espetáculo terminou; as pessoas dos camarotes saíram e ela, levantando sobre o chapéu o capuz de seu manto, acompanhou-as lentamente.
 Depois, fingindo que se tinha esquecido de alguma coisa, tornou a entrar no camarote e estendeu me a mão.
 - Não saberá nunca o que me fez sofrer, disse-me com a voz trêmula.
 Não pude ver-lhe o rosto; fugiu. Quis seguí-la, mas ela fez um gesto tão suplicante que não tive ânimo de desobedecer-lhe.
 Estava como dantes; não a conhecia, não sabia nada ao seu respeito; porém ao menos possuía alguma coisa dela; antes de partir ela deixara-me seu lenço impregnado de perfume de sândalo e todo molhado de lágrimas ainda quentes.
 Mas nada compreendia; as lágrimas, aquele sofrimento de que falara. O que queria dizer tudo isto?
 Passei uma noite de vigília a fazer suposições, cada qual mais desarrazoada.
 Recolhendo-me no dia seguinte, achei em casa uma carta.
 Eis o que dizia:
 'Julga mal de mim, meu amigo; nenhuma mulher pode escarnecer um nobre caração como o seu.
  Se me oculto, se fujo, é porque há uma fatalidade que a isto me obriga. E só Deus sabe quanto me custa este sacrifício, porque o amo!
  Mas não devo ser egoístae trocar sua felicidade por um amor desgraçado.
  Esqueça-me.
                                  C.'
[...]"
                     Cinco Minutos - José de Alencar
 

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